O Sagrado que habita em mim é igual ao Sagrado que habita em você, somos oriundos da mesma essência sagrada, somos todos filhos do mesmo Deus e diante dele não existem diferenças " Melquisedec C Rocha, Bàbálorixá do Ilê Axé Dajó Obá Ogodô, Mestre Juremeiro da Casa de Jurema mestre Carlos. Distrito do Comum/Extremoz RN, cell:88226026/96074319. E-mail: melckdsango@ig.com.br
terça-feira, 25 de dezembro de 2012
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
A Jurema Sagrada
A Jurema
Sagrada tem o seu culto originado no Nordeste do Brasil, sendo a expressão
religiosa e de resistência do povo nordestino.
Sendo
herança dos nossos ancestrais indígenas com a influência européia trazida pelos
portugueses quando aqui aportaram para colonizar o Brasil.
Esta
soma cultural construiu uma nova visão espiritual do povo nordestino, a Jurema que
apesar de todas as influências externas que tem sofrido vem resistindo e se
expandindo aos dias de hoje.
Partiu
deste encontro multi-cultural a construção desta nova visão espiritual, em que
se tinha a cultura milenar indígena com um infinito conhecimento das ervas
medicinais e litúrgicas e  as orações dos
europeus católicos, as orações fortes tão conhecidas no meio dos Juremeiros, existem
orações para cada caso associadas as ervas sagradas os Juremeiros vem cuidando
da população desde os tempos em que não havia, remédios alopáticos, farmácias,
postos de saúde, muito menos hospitais.
A
Jurema é dividida em Reinos, Estados, Cidades, vilas dependendo de suas
raízes(origens) .
A
Jurema tem em sua essência como fonte de conhecimentos mágico-espiritual, os
Mestres trabalhadores, os mestres (as) de ciência, os encantados (as), os
caboclos (as), os pretos (as) curadores é todo um universo mágico com seus
Reis, Rainhas, Príncipes e Princesas.
Seus
trabalhos se dividem em: seg, qua, e sex, para fumaça as direitas,
Fumaças
para abrir caminhos, saúde, paz e felicidade.
                                               
Ter, qui, e sab, para fumaça as esquerdas
Fumaças
com o intuito de desfazer os trabalhos e ou perturbações espirituais que
estejam prejudicando o adepto ou um necessitado independente de formação
religiosa.
Os
antigos ainda se lembram das comadres senhoras parteiras, rezadeiras, benzedeiras
de fama, suas casas viviam lotadas de gente em busca de lenitivo para seus
males do corpo e da alma.
Hoje
já vemos a Jurema em sua maior parte exteriorizando as influências recebidas
das outras religiões de matriz africanas como a Umbanda e o Candomblé.
Jurema
não tem orixá, jurema cultua santo católico pois tem uma forte influência
católica desde a sua construção nessa nova visão multi-cultural com a
influência da Umbanda caboclo virou oxoce a mãe dágua virou oxum, yemanjá e
etc.
A
máxima da Jurema é: fazer o bem sem olhar a quem
Tal
qual o pé de Jurema a Jurema vem resistindo ao modernismo e acompanhando o
progresso.
Mestre
Padrinho Melquisedec
Casa
de Jurema Mestre Carlos
Natal/Rn
  A JUREMA SAGRADA DA PARAÍBA
 A JUREMA SAGRADA DA
  PARAÍBA  
Idalina
  Maria Freitas Lima Santiago*  
RESUMO  
A cultura religiosa
  popular paraibana, desde seus primórdios, recebeu forte influência das
  tradições indígenas, especialmente no que se refere ao culto da jurema. Este
  culto passou por um processo secular de trocas e reelaborações, tendo sido a
  introdução da umbanda na Paraíba, em fins de 1960, um marco significativo
  nesse processo aliado à mais recente influência do candomblé. Tais
  reelaborações deram condições para a formação Umbanda cruzada com Jurema,
  hoje o culto mais numeroso no referido Estado. O artigo apresenta elementos
  do processo de reelaboração dos significados da jurema, dando ênfase aos
  aspectos relacionadas as entidades espirituais. A pesquisa foi desenvolvida
  no perímetro urbano que envolve as cidades de João Pessoa, Cabedelo, Bayeux e
  Santa Rita, com acompanhamento sistemático em seis terreiros, além de visita
  a outras dez casas religiosas. Trata-se de estudo descritivo analítico,
  utilizando como recurso metodológico a história oral e a etnografia. A
  despeito do processo de resignificação pelo qual passou o culto da jurema, a
  matriz original indígena manteve-se fortalecida, expressa sobretudo nas suas
  entidades espirituais, sendo estas as mais procuradas pelos clientes e
  adeptos para os atendimentos de consultas.  
INTRODUÇÃO  
O culto da Jurema é uma prática religiosa de tradição indígena,
  especialmente das tribos do Nordeste, vinculado à árvore do mesmo nome
  (jurema), a qual possui seu habitat no agreste e caatinga nordestina. Durante
  os períodos de grande estiagem, a jurema se destaca do resto da vegetação
  nativa pelo fato de manter-se exuberante, resistente à falta de água.  
A cultuação e utilização de partes desta árvore, durante os
  rituais religiosos dos nativos brasileiros, pode ser constatada nos escritos
  de Oliveira (1942 apud Bastide, 1985), Cascudo (1978), Herckmam (1982),
  Nascimento (1994), Mota (1987) e Vandezande (1975), os quais referem-se à
  confecção de uma bebida sagrada a partir da casca, tronco e raízes da
  referida planta. Quando ingerida, acredita-se que tal bebida possui a propriedade
  de transportar os homens para o mundo do além, possibilitando-os a
  comunicação com os seres que lá habitam.  
O culto da jurema difundiu-se dos sertões e agrestes nordestinos
  em direção às grandes cidades do litoral, tendo o símbolo sagrado da árvore
  da jurema, originado na cultura indígena, sincretizado-se com elementos da
  magia européia, do catolicismo e da matriz africana, conforme já apontava
  Cascudo (1978) e Bastide (1985). A partir desse amálgama de tradições,
  formou-se o Catimbó na Paraíba, Recife, Maceió e Natal, caudatário,
  sobretudo, dos rituais indígenas centrados na jurema (cf. Brandão e Rios,
  1998). Nesse sentido, concordo com Nascimento (1994) quando considera o
  Catimbó como variante de práticas mágico-religiosas cuja origem se  
* Doutora em Ciências Sociais/Antropologia, pela Pontifícia
  Universidade Católica de São Paulo. Atua nas áreas de Ciências Humanas e
  Ciências Sociais Aplicadas, especificamente nas sub-áreas de Serviço Social e
  Antropologia. Professora convidada do Programa Regional de Pós-Graduação em
  Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFPB/UEPB) e professora titular do
  Departamento de Serviço Social e Mestrado Interdisciplinar em Ciências da
  Sociedade, da UEPB.  QUALIT@S Revista Eletrônica.ISSN 1677-4280 V7.n.1. Ano
  2008  
localizaria em processos de transformação cultural,
  experimentados por populações indígenas em contato secular com a sociedade
  envolvente.  
Em suas pesquisas, Fernandes (1938), tratando sobre a formação
  do Catimbó, evidencia a existência na Paraíba de práticas feiticeiras de
  1740, através de uma ordem régia endereçada ao governador da capitania,
  informando que feiticeiros e índios foram presos e mortos por praticarem
  magias condenadas pela Igreja Católica.  
Em “Imagens do Nordeste Místico”, Bastide
  (1945) afirma ser o Catimbó de origem índia, considerando como tradições
  indígenas, nesse culto, o uso da defumação para curar doenças, o emprego do
  fumo para entrar em estado de transe e a idéia do mundo dos espíritos, no
  qual há casas e cidades. Refere-se a esse culto como sendo remanescente da
  antiga festa da jurema, ritual comunitário que se realizava anualmente entre
  as tribos indígenas do Nordeste, modificado em contato com o catolicismo e
  com a passagem da organização tribal para outro tipo de organização, a partir
  da desagregação da tribo em famílias dispersas no litoral.  
Além da influência indígena, Bastide (1985) aponta também a
  influência negra no Catimbó, tendo sinalizado a primazia dos negros bantos na
  Paraíba e em Pernambuco, os quais se adaptaram à religiosidade indígena em
  virtude de ela estar centralizada, como a sua, na descida do deus ao corpo
  humano e subseqüente transformação da personalidade.  
Cascudo (1978) trata o Catimbó como o mais
  nítido exemplo do processo de convergência afro-branco-ameríndia. Foi esse
  autor quem assinalou a influência da bruxaria européia na religiosidade
  popular brasileira, perseguida pela inquisição, tendo aqui encontrado canais
  de assimilação principalmente junto às populações negras e índias que também
  possuíam seus rituais mágicos.  
Na época de seus estudos, Cascudo (1978)
  encontrava cerimônias de catimbó tratadas como sinônimo de ‘adjunto de
  jurema’. Nesse “adjunto” – nome que significa reunião, sessão – havia a
  prática de fazer e consumir a bebida da jurema em cerimônias. Em pesquisa no
  arquivo do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte, encontrou registros do
  ‘adjunto de jurema’ realizado por índios em 1758, como também nos escritos de
  Henry Koster havia sido registrado um desses adjuntos em 1814. Adverte, assim,
  que o mesmo processo índio, encontrado nos séculos XVIII e XIX, ainda
  persistia no ano de 1933. Considera o cachimbo, o maracá, a farmacopéia e a
  bebida da jurema elementos indígenas que persistiram no catimbó, atribuindo
  ao negro a invocação com ritos e ritmos musicais.  
Na descrição de uma cerimônia de Catimbó, ocorrida na festa do
  Dia de Reis na Paraíba, Bastide (1985) faz referência ao uso da jurema
  (palmeira tóxica do Nordeste) tanto através do chá de sua raiz - ajuá - como
  do fumo de suas folhas e raiz dentro de um cachimbo, usado para incensar os
  fiéis. Utilizavam o cachimbo ao contrário, isto é, colocavam a parte em que
  se põe o fumo na boca, e pelo tubo soprava-se a fumaça em direção ao que se
  desejava defumar (a fumaça usada como defumador). Registra, também, o uso do
  maracá para ritmar as canções, a aguardente e o fumo, ofertados para os
  espíritos encarnados nos fiéis, os quais apareciam como entidades caboclas,
  índias e negras.  
A missão de pesquisas folclóricas de 1938, organizada por Mário
  de Andrade, então chefe do departamento de cultura do município de São Paulo,
  possuía uma equipe de pesquisadores que tinha como objetivo coletar dados
  sobre a cultura popular no Norte e Nordeste do país. Essa equipe encontrou na
  Paraíba um número expressivo de catimbós, relatando nos seus diários a
  existência de um forte núcleo catimbozeiro no município de Alhandra/PB
  (Carlini, 1994). QUALIT@S Revista Eletrônica.ISSN 1677-4280 V7.n.1. Ano 2008  
René
  Vandezande (1975), estudioso do Catimbó existente na cidade de Alhandra-PB,
  ressalta que o termo catimbozeiro era estritamente relacionado ao designativo
  juremeiro, evidenciando que a denominação jurema fazia referência a um
  elemento do Catimbó, a própria árvore da jurema, da qual se retiravam as
  sementes, raízes, folhas e madeira para os preparos utilizados durante as
  sessões de Catimbó.  
A
  partir das histórias de vida contadas pelos chefes de terreiros mais idosos
  dos municípios que envolvem a grande João Pessoa/PB, pude constatar, através
  de seus itinerários religiosos, suas vinculações iniciais ao culto da jurema
  por volta da década de 1940, os quais se referem à existência naquele período
  de práticas do catimbó, sem alusão a rituais de umbanda ou de candomblé∗.  
Em meados do século XX, no Estado paraibano, ocorre a
  aproximação do Catimbó com a Umbanda em virtude do movimento de expansão
  desta pelo país. Assim, foi se delineando a Umbanda cruzada com Jurema como
  resultado da junção dos rituais da tradição juremeira/catimbozeira com a
  Umbanda trazida oficialmente para o referido Estado nos fins de 1960. Até
  essa época predominava na Paraíba a prática do Catimbó, tratado como caso de
  polícia. Os catimbozeiros ou juremeiros desejosos de se libertarem da pressão
  policial aceitaram se engajar na estrutura da nascente Federação dos Cultos
  Africanos do Estado da Paraíba, encampadora da doutrina umbandista. Contudo,
  a forte influência da jurema se fez presente na reorganização sincrética dos
  elementos religiosos da umbanda paraibana.  
Compreendo
  que a associação efetuada pela maioria dos religiosos entre os termos umbanda
  e jurema, melhor dizendo, a inclusão que fazem da umbanda na jurema ou
  vice-versa, é oriunda desse processo de introdução da umbanda no seio do
  catimbó, ou jurema, processo esse que deu liberdade ao culto. Acrescente-se a
  isso o fato, de anteriormente à legalização da umbanda no Estado, os catimbós
  serem visualizados pelos setores dominantes como sinônimo de feitiçaria e
  tratados com mais severidade pela polícia do que os poucos centros de umbanda
  já existentes. Dessa forma, a adesão ao nome umbanda só traria benefícios,
  mesmo que se continuasse a praticar a jurema/catimbó.  
O
  catimbó/jurema, incorporado ou incorporando os elementos da umbanda, tomou
  feições umbandistas, - com suas especificidades, é claro, devido à forte
  tradição da jurema indígena -, passando a ser identificado com esta. À medida
  que os candomblés de tradição africana, ditos de nação “pura”, passaram a
  permear o imaginário religioso paraibano, por volta de início de 1980, grande
  parte dos religiosos passou a buscar nesses candomblés suas iniciações ou
  renovações sem, contudo, abrirem mão de praticar a jurema. Dessa forma, os
  rituais juremeiros/catimbozeiros, mesclados com elementos da umbanda,
  continuaram a ser desenvolvidos ao lado das sessões dos orixás, próximas dos
  preceitos rituais do candomblé.  
Assim,
  é comum encontrar nos terreiros de tradição afro-brasileira nos municípios de
  João Pessoa, Bayeux, Santa Rita e Cabedelo, do Estado da Paraíba, duas linhas
  centrais de culto envolvendo entidades e processos rituais distintos, o que
  não significa dizer que não possa haver trânsito de algumas entidades entre
  as duas linhas. Trata-se da linha da jurema, herdeira essencialmente dos
  processos rituais do antigo Catimbó/Jurema, miscigenados com elementos da
  umbanda, e a linha do orixá, que tem no candomblé sua fonte inspiradora.
  Tem-se, assim, o culto  
∗ O presente artigo é
  fruto de pesquisas realizadas nos municípios de João Pessoa, Bayeux, Santa
  Rita e Cabedelo, pertencentes ao Estado da Paraíba, envolvendo dezesseis
  casas religiosas. Desta pesquisa resultou a tese de doutorado “ O Jogo do
  Gênero e da Sexualidade nos Terreiros de Umbanda Cruzada com Jurema na Grande
  João Pessoa/PB”, defendida pela Pontifícia Universidade Católica de São
  Paulo, em 2001.  QUALIT@S Revista Eletrônica.ISSN 1677-4280 V7.n.1. Ano
  2008  
da
  jurema e o culto do orixá, os quais estabelecem sessões rituais e processos
  iniciatórios distintos, envolvendo entidades, estátuas, quartos e objetos
  designativos diferenciados.  
O
  culto à jurema é considerado a porta de entrada para a iniciação religiosa
  dos adeptos. É tanto que, nos processos iniciatórios, os neófitos primeiro
  passam pelos rituais da jurema para, em seguida, serem inseridos nos
  preceitos do orixá. Dessa forma, podemos encontrar terreiros que só realizam
  o culto da jurema, não sendo o chefe religioso considerado totalmente formado
  na sua iniciação, restando-lhe sua feitura e consagração junto aos orixás. Contudo,
  a maioria dos terreiros afro-paraibanos realiza a cultuação dos deuses orixás
  e entidades da jurema, possuindo na sua dogmática as respectivas linhas já
  citadas. Vale registrar o insignificante número de casas religiosas que só
  cultuam os orixás, sendo os seus freqüentadores considerados praticantes do
  “puro” candomblé.  
Como
  meu interesse aqui é ressaltar a presença do catimbó/jurema na religiosidade
  afro-paraíbana, me deterei em apresentar os atuais traços característicos das
  entidades juremeiras, considerando suas ressignificações a partir da junção
  do catimbó/jurema com a umbanda, formando a umbanda cruzada com jurema, e
  posteriormente desta com o candomblé.  
ENTIDADES ESPIRITUAIS  
As entidades louvadas durante as sessões rituais da jurema costumam
  ser agrupadas em três módulos: as das matas, referentes aos Caboclos e
  Índios; os Mestres, considerados os donos da ciência da jurema, e os
  Pretos-velhos. Exu e Pomba-gira são entidades do panteão dos orixás, que
  foram reinterpretadas no culto da jurema, atuantes no início das sessões.  
Existe uma mística que perpassa a construção simbólica vinculada
  especificamente ao mundo sobrenatural da jurema, mais próxima das tradições
  indígenas, sua raiz primordial. Trata-se dos reinos ou cidades, espaços onde
  habitam os espíritos (entidades) da jurema, reinos vinculados em certa medida
  às árvores sagradas da jurema, em baixo das quais os adeptos realizavam o
  culto do catimbó/jurema. As entidades juremeiras teriam passado pela
  existência humana, tendo após sua morte os seus espíritos resididos nos
  reinos encantados da jurema, conforme o depoimento a seguir:  
(...) Todo sentido deste culto está relacionado à árvore
  da jurema. Tudo que se deve fazer é, primeiramente, é em nome de Deus, é
  claro, e da jurema. Que a jurema transmite força.[…] A jurema é uma árvore
  sagrada porque todas as entidades tem que ser, quando se é passado, quando é
  matéria que passa a espírito, vai para essa árvore […] permanecendo por sete
  anos ao pé dessa árvore, chamando jurema, adquirindo sua ciência (Barros,
  João Pessoa/PB).  
Câmara
  Cascudo (1978), tratando da mitologia que perpassava o catimbó existente na
  cidade de Natal-RN, entre 1928 e 1949, época de suas pesquisas, já mostrava a
  crença que os adeptos possuíam na existência de um mundo sobrenatural
  dividido em reinos encantados. Os atuais chefes religiosos paraibanos que
  cultuam a jurema costumam dividir estes reinos, ou cidades, em número de
  sete, estando vinculados aos vários tipos de árvores da jurema:  
As sete
  cidades é assim: são porque tem jurema branca, jurema preta e jurema
  vermelha, a jurema amarela. (...) A jurema branca é a primeira jurema que foi
  uma jurema onde Nosso Senhor descansou debaixo dela, da sombra dela. (...) É
  abençoada por Deus (Pai Zé de Ogum, Santa Rita/PB). QUALIT@S Revista
  Eletrônica.ISSN 1677-4280 V7.n.1. Ano 2008  
(...) A
  jurema preta é que tem a maior falange de mestres e existe também a jurema
  branca que já é uma grande falange de preto velho, porque é muito iluminada a
  jurema branca. A jurema preta ela é mais complexa (Pedro de Ogum, João
  Pessoa/PB).  
A
  maior valoração à jurema preta se dá pela sua capacidade de fazer o bem e o
  mal, estando associada aos mestres. Por outro lado, acredito que as
  propriedades bioquímicas dessa planta também sejam um fator de destaque em
  relação às demais espécies. É de parte de suas raízes e tronco que são feitos
  os vinhos de jurema para serem bebidos pelos adeptos, os quais acreditam no
  poder curador e místico da planta, pois esta proporciona visões e sonhos de
  outro mundo∗. Dessa forma, não
  concordo com Bastide (1945: 207) quando ele afirma que “a força da jurema não
  é uma força material, a do suco da planta, e sim uma força espiritual; a dos
  espíritos que passaram a habitá-la”. São os dois componentes, material e
  espiritual, que compõem a lógica da jurema.  
As cidades não são, necessariamente, somente pés de jurema,
  podem ser de outro tipo de árvore; na literatura (Aragão et al 1987) e em
  alguns depoimentos dos religiosos entrevistados, encontrei referência a
  árvores como o manacá, vajucá, aroeira, angico, junça ou jussá e catucá como
  pés onde se fazem o culto da jurema. O presidente da Federação dos Cultos
  Africanos da Estado da Paraíba me relatou sobre a existência de sete cidades
  de jurema, sendo cada uma regida por um desses tipos de árvores, incluindo aí
  a própria jurema. Ele tentou mapear estas cidades como pertencentes a várias
  localidades distintas, todas do Nordeste: a jurema, a mais original e forte,
  estando vinculada à região de Alhandra, na Paraíba, berço do culto; a junça
  de Natal, Rio Grande do Norte; vajucá de Recife, Pernambuco; catucá de
  Alagoas; angico de Sergipe; para aroeira e manacá, ele não soube identificar
  as localidades.  
As entidades da jurema são consideradas espíritos de mortos -
  eguns, almas de mortos - pessoas que viveram, morreram e se incorporam nos
  fiéis, tendo como sustentação mística a interpretação kardecista da
  reencarnação. Em seu conjunto são consideradas espíritos terra-a-terra, em
  nível abaixo dos orixás dentro da hierarquia astral, posto que são as únicas
  que podem fazer o mal.  
Em
  jurema não tem santo, né? Em jurema não existe santo, existe egum. Egum são
  os Mestre que trabalha com a gente(...). Mestre que já foram passado pela
  encarnação, já foram vivo, é morto; quando este Mestre baixa em uma pessoa
  pra trabalhar, nós não temos ele como santo, nós temos ele como egum,
  chama-se egum. Mestre de jurema são todos eles eguns, nenhum é santo. Todos
  são eguns (Mãe Joana, Bayeux/PB).  
As concepções sobre os orixás variam: alguns os consideram como
  não sendo espíritos de mortos, mas Deuses africanos que representam forças da
  natureza, não se incorporando nos médiuns; outros os vêem como babalorixás e
  ialorixás que já viveram e morreram na África, ou na Bahia, não se incorporando
  também nos fiéis devido ao seu elevado grau de purificação, já que morreram
  há bastante tempo; há ainda a perspectiva que os relaciona aos santos
  católicos, no já conhecido sincretismo afro-católico. As divindades orixás,
  na maioria das casas, não se  
∗ Das pesquisas sobre as
  propriedades químicas da jurema, Vandezande (1975), Mota (1987), Batista
  (apud Cabral 1997) confirmaram a existência de efeitos narcóticos na jurema
  preta.  QUALIT@S
  Revista Eletrônica.ISSN 1677-4280 V7.n.1. Ano 2008  
incorporam nos médiuns. Acredita-se que a energia do orixá seja
  tão forte que nenhum médium possa incorporá-lo. Daí, o orixá entrar em
  contato com seu cavalo por intermédio de um espírito da sua falange, sendo na
  maioria Caboclos, fáceis de serem associados aos orixás pela identificação
  com os domínios da natureza - selva, cachoeira, água, pedreira - e por não
  falarem∗.  
As entidades da jurema são as que efetivamente executam os
  trabalhos, curas, através das consultas. Os orixás, pela sua pureza, não têm
  condições de realizá-los. Dessa forma, são as entidades juremeiras as mais
  solicitadas para praticarem o seu famoso catimbó.  
Um marco distintivo entre as entidades da jurema e os orixás
  está relacionado à condição de fala, uma vez que as juremeiras quando se
  incorporam nos filhos já se apresentam falando, enquanto os orixás precisam
  de uma preparação, falando pouquíssimo, às vezes só anunciando seu nome:  
O
  Caboclo, ou o Preto-velho, ou qualquer uma nação indígena que pertencer à
  jurema, como todos pertence, eles vêm fala logo. Eles vêm logo falando,
  dizendo “louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo”, pertence do guia e tal e
  coisa, enfim.(...) Aí dali quando vem ele já vem falando mesmo e os Caboclo,
  os Mestres, os preto velho é a mesma falange e o orixá num é assim. Orixá é
  preciso fazer obrigação pra ele, o médium, deitar a cabeça com muito carinho,
  com muito amor, com muito respeito, com muita personalidade pra o axé dele de
  fala que chama-se o poder da pemba falar, depois é que eles começa a falar
  alguma coisa muito baixo, num é alto. Com a continuação eles vai falando e
  aquele axé chama-se o axé de fala. A diferença é essa (Pai Zé de Ogum, Santa
  Rita/PB).  
Eles
  [os orixás] falam quando tem axé de fala, né?, quando a gente bota o filho de
  camarinha [iniciação] que tira o filho e vai dá axé de fala. É quando o orixá
  fala. Vai dizer a digina [nome] dele, vai dizer quem é, quando chega (Joana
  D’Arc, João Pessoa/PB).  
Outro marco que diferencia as entidades da jurema e dos orixás
  são as vestimentas usadas pelos fiéis durante as sessões litúrgicas. Para a
  jurema costumam usar branco e estampado indistintamente para as entidades, enquanto
  para os orixás usam cores específicas para cada um deles.  
Porque a jurema é uma ciência, né? é uma ciência. É mais
  verde, estampado e branco. As matas são verdes, né?, as águas cristalinas são
  brancas, então a gente usa o estampado por causa dos Caboclos, né? e o branco
  por causa das águas cristalinas, né? Então a gente faz saias estampadas
  [flores e folhas] e blusas brancas para as mulheres, e homens todo de branco.
  Para orixá, as cores são : Xangô é vermelho e branco ou todo vermelho, a
  Iansã é rosa e branco, a Oxum é amarelo e branco, Iemanjá azul e branco, Odé
  verde e branco e Ogum verde e vermelho, Oxalá todo branco, Nanã boroquê é
  roxinho e Obaluaê é marron. Cosme e Damião é rosa, verde e branco e pode ser
  todas as cores, é colorido (Joana D’Arc, João Pessoa/PB).  
Existe, ainda, a grande diferenciação entre as entidades do
  orixá e da jurema relacionada ao uso de bebidas alcoólicas e fumo. Enquanto
  as primeiras não permitem cigarros, cachimbos,  
∗ As entidades louvadas
  nas sessões dos orixás são características dos candomblés iorubás/bantos,
  sendo os mais reverenciados os seguintes orixás: Exu, Ogum, Oxossi, Odé,
  Xangô, Nanã, Obaluaê, Oxum, Iansã, Ibejins, Iemanjá e Oxalá.  QUALIT@S Revista
  Eletrônica.ISSN 1677-4280 V7.n.1. Ano 2008  
charutos e bebidas durante as sessões rituais, as da jurema só
  se incorporam e trabalham mediante o uso de tais materiais - quanto mais
  fumaça mais firmeza para as entidades juremeiras. Nas sessões para os orixás,
  algumas casas permitem nas saudações a Exu e Pomba-gira, no início do ritual,
  a utilização de fumo; terminadas essas homenagens se interdita o fumo até
  para os visitantes.  
É
  porque a jurema trabalha com a fumaça, trabalha...com emolocô, e orixá não
  quer fumaça. Ele é muito lento, muito livre. E a jurema é mais reforçada, tem
  mais...é mais reforço e o orixá é muito compassivo (Pai Zé de Ogum, Santa
  Rita/PB).  
(...)
  porque é onde tá a força do Mestre: no cachimbo dele, né ? A firmeza dele são
  os cachimbos (Mãe Joana, Bayeux/PB).  
Feitas essas diferenciações entre as entidades que compõem a
  linha da jurema e a do orixá, passarei agora a me deter nas entidades
  juremeiras, marca distintiva da influência do catimbó/jurema na religiosidade
  em questão.  
MESTRES: No antigo catimbó, o
  Mestre era o chefe responsável pela direção do culto, pessoa que recebia os
  espíritos invisíveis de outros Mestres já mortos. Segundo Fernandes (1938:
  92), “os Mestres seriam os espíritos de grandes catimbozeiros mortos, que
  presidem os ofícios conjuratórios, reinando sobre os elementos naturais e de
  poder de obediência entre os demônios, aos quais deveriam manejar para fins
  hostis individuais”.  
Em Alvarenga (1949: 9) encontrei a conceituação de Mestre como
  entidade sobrenatural, “creações míticas que freqüentemente têm a designação
  caboclo (índio) anteposta ao nome, ou divinizações de falecidos chefes de
  cultos”. A autora refere-se aos sacerdotes do culto como também possuidores
  da denominação Mestre.  
Outros autores especializados no antigo catimbó (Vandezande
  1975; Carline 1993; Bastide 1985; Cascudo 1978) apontam o Mestre como a
  figura central desse culto, tanto como designativo do chefe da casa
  religiosa, quanto como entidade principal do culto. Atualmente, o chefe
  religioso não é comumente chamado de mestre, nem de juremeiro, e sim pai ou
  mãe-de-santo, passando a designação Mestre significar com mais evidência a
  entidade incorporada, a qual possui notório prestígio dentro do culto.  
Como pude observar, o dia determinado pelo calendário religioso
  para homenagear a entidade Mestre é 15 de outubro, data também consagrada aos
  mestres/professores da sociedade mais ampla, uma “coincidência” um tanto
  quanto significativa, uma vez que as entidades Mestres são consideradas
  detentoras especiais da “ciência”∗ da jurema,
  outorgando-lhes o domínio espiritual sobre os saberes da jurema, o que
  implica ter conhecimentos secretos e amplo saber sobre as ervas de curas.
  Dessa forma, a denominação Mestre também é usada como distintivo de sabedoria
  e maior conhecimento espiritual, podendo um Preto/a-velho/a vir a ser um/a
  Mestre/a ou uma Pomba-gira uma Mestra quando estes se destacam das demais
  entidades que compõem suas falanges, sendo-lhes outorgado mais prestígio,
  poder e hierarquia.  
Os atuais Mestres podem se incorporar nos adeptos como Zé
  Pilintra, Baianos, Boiadeiros, Príncipes, Cangaceiros, Ciganos, Vaqueiros,
  dentre outros. Os Mestres da jurema  
∗ Possuir Ciência para os
  juremeiros significa conhecer as palavras secretas, o nome das plantas
  medicinais que cada entidade usa, as orações e músicas necessárias para que
  seja possível a comunicação com o mundo do além.  QUALIT@S Revista
  Eletrônica.ISSN 1677-4280 V7.n.1. Ano 2008  
paraibana aglutinam grande parte das entidades da umbanda
  paulista e carioca que realizam consultas, especialmente o Zé Pilintra,
  Baianos e Boiadeiros.  
Vejamos os nomes de alguns Mestres e Mestras presentes nos
  terreiros pesquisados: Carlos, Sibamba, Chapéu Amarelo, José de Alencar, Zé
  Pilinta, Zé de Aguiar, Zé da Ladeira, Aurora, Zé Moringa, Chapéu Virado,
  Laurinda, Antônio, Zé da Pinga, Zé Vaqueiro, Zé do Beco, Zé do Tesouro, José
  do Coqueiral, Zé das Almas, Zé Pretinho, Zé Barreira, Pé de Serra, Maria do
  Acais, Joana Pé-de-Chita, Amélia de Lima, Aroeira, Zé Menino.  
Tão grande é a importância do Zé Pilintra no culto da jurema que
  ele chega a ter uma falange própria dentro da corrente dos Mestres. Existem
  várias versões para o nome do primeiro Zé que deu início à falange do Zé
  Pilintra: para alguns religiosos, foi o próprio Zé Pilintra; outros falam em
  José Gomes da Silva ou, ainda, José Filintra de Aguiar. Alguns religiosos
  afirmam que José de Aguiar, ou Zé Pilintra, teria nascido no município de
  Alhandra/PB, sendo enterrado no cemitério da cidade de Goiana/Pe, tendo
  ficado conhecido pela sua fama de beber muito, fazer besteiras, ser boêmio e gostar de
  mulheres. Tais características são amplamente evidentes durante as
  incorporações dos mestres, sobressaltando seu estado de embriaguês. A
  propósito de Zé Pilintra, é pertinente o seguinte depoimento:  
Zé Pilintra foi o primeiro mestre a arriar na linha de
  Zé, foi ele que abriu, inaugurou, num é? foi o pioneiro da falange, o dono da
  falange de Zé, em Alhandra no Estado da Paraíba. .(...) Zé Pilintra ele não
  arreia mais, nós temos hoje a falange de Zé Pilintra. Zé Pilintra coroou.
  Quando o mestre coroa, que ele tem muitas caridades feitas e muitas curas,
  eles não arreiam mais em cavalo nenhum.(...) a falange de Zé, toda a falange
  de Zé Pilintra - que é Zé Boiadeiro, Zé da Ladeira de Ouro Preto,que é o meu
  Zé, Zé Gato Preto, Zé Bebinho, Zé de Alencar, Zé de Aguiar, é...., Zé de
  Nana, Zé Sete Encruzas, Zé do Beco, tem todos os Zés. E o nome do Zé é aonde
  ele se passou. O meu Zé passou-se no pé de uma ladeira, com sete facadas,
  morto por um filho de uma vítima dele em vida. Zé Sete Encruzas passou-se
  numa encruzilhada, Zé do Beco passou-se em um beco, Zé Boiadeiro passou-se no
  trabalho dele, com a boiada, em terra. Zé Bebinho passou-se num bar (Pedro de
  Ogum, João Pessoa/PB).  
Uma outra característica do Mestre está relacionada a seu
  trânsito nas esferas que praticam o bem e o mal. O pai-de-santo Jonas
  (Bayeux/PB) informa que os Mestres trabalham tanto para esquerda como para
  direita, fazendo o traçado com Exu : “Porque o Mestre, o Mestre, ele, depois
  de meia noite, ele vira Exu, né? O Zé Pilintra, é...o Zé Baiano, Zé de
  Aguiar, Zé Aroeira, Zé Boiadeiro, depois de um certo tempo, de meia noite, aí
  ele vai se transformando em Exu” .  
Concordo com Assunção (1999) sobre o processo de reelaboração
  dos símbolos e significados do antigo catimbó quando do encontro com a
  umbanda e com o candomblé, exemplificando através do caso dos Mestres que
  passaram a ser associados aos Exus. Segundo depoimentos dos religiosos por
  mim entrevistados, a proximidade dos Exus com os Mestres se dá pelo fato de
  os primeiros serem considerados entidades do panteão dos orixás que passeiam
  pelos dois mundos, o das divindades e o dos mortos, sendo o orixá mais
  próximo dos humanos. Exu é possuidor de uma moral fluida que tanto beneficia
  como pode prejudicar uma pessoa, aproximando-se da identificação com os
  Mestres, que são espíritos de humanos mortos, praticantes do bem e do mal.  
Vemos, assim, que não foi difícil associar as características
  dos Exus às dos Mestres catimbozeiros. Zé Pilintra é um exemplo claro dessa
  reeleboração. Na umbanda carioca e paulista QUALIT@S Revista Eletrônica.ISSN
  1677-4280 V7.n.1. Ano 2008  
ele é considerado Exu, guia de atendimento de consultas e
  limpador de demandas, conforme estudos de Negrão (1996) e Trindade (1982).
  Nos terreiros acompanhados por mim, Zé Pilintra é Mestre que se transforma em
  Exu após a meia noite ou nas horas grandes, como são tratados os horários das
  seis da manhã e da tarde, das doze e das vinte e quatro horas. Os Exus nessas
  casas exercem a função de cuidar das entradas e saídas, à semelhança das
  atribuições que essa entidade possui no eixo Rio/São Paulo. No entanto, na
  Paraíba, ele não tem a atribuição de atender consultas, prerrogativa dada aos
  Mestres.  
O religioso Pedro de Ogum (João Pessoa/PB) tem uma visão
  esclarecedora sobre esse assunto. Conforme aponta, as umbandas do Rio de
  Janeiro, que não cultuam jurema, utilizam Exu como entidade de consulta. Na
  umbanda cruzada com jurema paraibana, os Exus homens não travam conversas com
  os fiéis, sua função precípua é limpar os terreiros das demandas. Somente
  Pomba-gira (Exu fêmea ) exerce essa tarefa, ao lado dos Mestres e Pretos-velhos,
  entidades que realizam consultas.  
Com relação à Pomba-gira, a consorte de Exu - para alguns, sua
  mulher; para outros, o Exu fêmea - encontrei com freqüência a associação
  dessa entidade com as Mestras, não sendo, contudo, uma visão unânime entre os
  religiosos. Podemos supor que essa associação pode ter vindo em decorrência
  da vinculação dos Mestres com os Exus, conforme já vimos, estabelecendo-se,
  conseqüentemente, associações semelhantes entre as categorias femininas
  dessas entidades, no caso Pomba-gira e Mestra. Uma outra possível explicação
  está vinculada ao fato do designativo Mestra outorgar àquela Pomba-gira uma
  diferenciação em relação às demais entidades da falange, sinônimo de maior
  conhecimento e poder dentro das leis espirituais.  
Pedro de Ogum (João
  Pessoa/PB) faz distinção entre as Pombas-giras que participam da corrente do
  orixá e da jurema. No orixá, ela apenas limpa demanda sem fazer trabalhos nem
  atendimento aos filhos, enquanto na jurema tem ampla participação, sendo uma
  das entidades mais concorridas para aconselhamentos, principalmente no
  referente às questões amorosas.  
Os juremeiros que vivenciaram o processo de introdução da
  umbanda e do candomblé na religiosidade paraibana, especialmente no catimbó,
  fazem uma leitura sobre o pertencimento de Exu e Pomba-gira às sessões de
  jurema como proveniente da influência do candomblé.  
Como bem salienta pai
  Valdevino (João Pessoa/PB), “(...) Exu e Pomba-gira isso não pertence a
  jurema. Os dois pertence à parte do orixá. Já porque depois do assunto de
  transportarem do candomblé, misturaram. Mas antigamente não existia”. Esse
  assunto sobre o candomblé, a que se refere Valdevino, diz respeito à entrada
  do culto do candomblé na Paraíba, modificando os rituais da jurema/catimbó
  que já havia incorporado elementos da umbanda.  
CABOCLOS/ÍNDIOS: A visão mais comum
  entre os religiosos é de que os Caboclos e Índios são espíritos de mortos:  
Os Caboclo são pessoas da mata que já desencarnaram,
  naquele tempo daquele povo que vivia na mata, Índios, né? Que já morreram e
  ficou os espírito dele, encarnado na mata. Aí eles anda à procura de luz, à
  procura de...o que eles comia eles incorpora na gente pra poder comer. Que
  eles não são mais matéria pra comer, aí eles incorpora na gente pra poder
  comer (Jonas, Bayeux/PB).  
Os Caboclos e Índios, quando incorporados, bebem mel colocado em
  folhas sobre o chão, comem carne bovina crua embebida em mel e vinho, além de
  frutas, tendo predileção por vinho, em vez de cachaça como preferem os
  Mestres. São pouco faladores, não atendem consultas; soltam gritos de guerra,
  empunhando arcos e flechas nas mãos, quando incorporados. Seu linguajar é
  pouco entendível, puxado para o tupi-guarani: QUALIT@S Revista
  Eletrônica.ISSN 1677-4280 V7.n.1. Ano 2008  
O Mestre é mais fácil a falange de falar do que mesmo os
  Caboclo, que eles são um pouco introduzido da linguagem deles, tem uns que
  fala que a gente não entende, mas tem uns que a gente entende quase nada (Pai
  Zé de Ogum, Santa Rita/PB).  
A presença do Caboclo na religiosidade afro-brasileira é uma
  marca distintiva da influência indígena na nossa cultura. Tanto os catimbós
  nordestinos, umbandas do centro/sul, candomblés de caboclos na Bahia, tambor
  de mina no Maranhão, batuque no Pará e até mesmo candomblés baianos que se
  rogavam a pureza nagô/queto costumavam cultuar algum tipo de Caboclo.  
Os Caboclos e Índios hoje cultuados nas sessões de jurema na
  Paraíba são caudatários, sobretudo, do antigo catimbó. Contudo, não descarto
  as influências das demais religiões que cultuam essa entidade, especialmente
  a umbanda paulista e carioca, na composição simbólica dos elementos da jurema
  paraibana.  
Nos catimbós de Alhandra, estudados por Vandezande (1975), além
  das sessões de mesa, onde se prestava atendimento de consulta, havia também
  os torés de Caboclos e Mestres. Pelo registrado nas transcrições de
  Vandezande, verifiquei que nas mesas de catimbó as entidades que desciam para
  trabalhar eram Mestres relacionados a antigos catimbozeiros da região, já
  falecidos. Nos torés de Caboclos, onde não havia atendimento de consultas, só
  “divertimento”, as cantorias estavam voltadas para os Caboclos e Índios,
  sendo identificada entre elas as Tapuias Canindés e Caboclas de Pena,
  bastante conhecidas nas atuais sessões de jurema.  
Os Caboclos da umbanda
  paulista pesquisados por Negrão (1996) são espíritos de índios, guerreiros,
  curadores, conhecedores dos segredos das ervas. Apesar do quase consenso
  sobre a natureza boa dos Caboclos, existem os que não são tão bons,
  trabalhando com demandas. Informa Negrão que essas entidades possuíam fala
  também complicada, mas realizavam consultas.  
Das características apontadas por Negrão sobre o Caboclo
  cultuado nas umbandas paulistas, algumas não se enquadram nos Caboclos que
  freqüentam as juremas paraibanas. A principal delas se refere ao atendimento
  de consulta, não sendo uma tarefa executada pelos Caboclos e sim por Mestres,
  Pretos-velhos e Pombas-giras. Apesar de os Caboclos terem o poder da fala,
  comunicam-se muito pouco com as pessoas, não realizam trabalhos de demandas e
  consultas - nas casas visitadas, nunca vi um Caboclo ou Índio ser chamado
  para realizar qualquer trabalho. Observei que o negro Gerson aparece nos
  escritos do citado autor como Caboclo, entretanto na Paraíba ele é cultuado
  como Mestre.  
Os religiosos entrevistados não fazem distinção entre Caboclos e
  Índios no referente a considerarem os primeiros mestiços de índios com
  brancos ou pretos e os últimos os representantes legítimos da raça autóctone.
  Para os religiosos Caboclos e Índios são sinônimos, possuem as mesmas
  características inclusive na maneira como se apresentam nas incorporações.
  Entretanto, estabelecem prioridade para as cantorias destinadas aos Caboclos,
  iniciando os cânticos em louvação para o chefe da falange dos Caboclos, o
  orixá Oxossi, para depois homenagear os Índios no final da seqüência das
  entidades das matas.  
Além dos Exus, foram transportados para os rituais da jurema, e
  reinterpretadas, as entidades do panteão dos orixás que se aproximavam das
  características eminentes a esta corrente, no caso o orixá Oxossi, por ser
  caçador, e Ossâim, ligado às florestas e plantas medicinais, agrupando-os
  entre as entidades da mata. Oxossi assume uma posição de prestígio dentro da
  jurema, sendo a entidade com a qual se iniciam as louvações para o povo das
  matas, QUALIT@S Revista Eletrônica.ISSN 1677-4280 V7.n.1. Ano 2008  
ritualística herdada da dogmática da umbanda na qual Oxossi,
  entidade espiritual em plano superior de evolução, comanda a falange dos
  Caboclos.  
Os(as) Caboclos(as) são identificados por suas descendências
  tupi e tapuia, nações indígenas predominantes no Estado paraibano (Cabocla
  Jurema, Tapuia, Iracema, Rei Canindé); por adereços indígenas (Cabocla de
  Pena, Caboclo Pena Branca, Pena Vermelha, Sete Flechas, Flecheiro); e por
  referências a elementos da natureza ( Caboclo Mata Virgem, Folha Verde).
  Dentre as caboclas, quero destacar a Comadre Fulozinha, figura lendária na
  cultura popular paraibana, considerada uma velha cabocla que toma conta das
  matas, controlando as caçadas.  
Cumade
  Fulozinha ela é a rainha das mata; ela é a rainha, uma rainha das mata, é uma
  Cabocla (...) Ela é uma Cabocla, o cabelo dela, olhe! cobre ela todinha, é
  linda ela! Tem gente que vê ela, tem gente que vê assim. Eu nunca vi não. O
  assobio dela eu ouvi.(...) Assobia. Braba! Braba! (Tita, Bayeux/PB).  
Os fiéis acreditam que
  o assovio desta entidade, indicando sua presença, é um sinal de advertência,
  pois ela pode dificultar a realização de qualquer ação dentro da mata, como,
  por exemplo, atrapalhar uma caça - o caçador não conseguir acertar no animal.
   
PRETOS-VELHOS: A primeira reflexão que
  fiz sobre o pertencimento dos Pretos-velhos à vertente da jurema me levou a
  debitá-la à influência da umbanda, uma vez que esta é possuidora dessa
  entidade dentro do seu quadro doutrinário. Entretanto, outra análise pode ser
  feita tomando como referência os estudos de Cascudo (1934, 1978), datados a
  partir de 1929, onde ele encontrou catimbós no Nordeste presididos por
  negros, época em que a umbanda não se fazia presente no imaginário religioso
  nordestino. Referencia a cultura negra banto como a que se introduziu na
  faixa da Paraíba e Rio Grande do Norte, tendo esses povos se juntado ao índio
  e branco europeu para processos de bruxarias. Nos catimbós estudados pelo autor,
  encontrou negros velhos mestrando o culto, com nomes de descendência
  angolana: Negro do Congo, Pai Angola, etc.. Conforme salienta o mesmo autor:
  “O ‘Caboclo velho’ e o ‘negro velho’ são os lados de um ângulo cujo
  vértice é o ‘Mestre’ do catimbó” (Cascudo 1978, p.90-91).  
Em “Novos Estudos
  Afro-brasileiros”, Cascudo (1934) lista e comenta sobre os principais Mestres
  encontrados nos catimbós naquela época, chamando-me atenção dois deles, Pai
  Joaquim e Pai João, figuras bastante presentes nos atuais culto da Jurema,
  exercendo o prestígio de serem os patronos das casas, sendo nessas
  considerados Pretos-velhos e não Mestres, incorporando-se nos fieis durante
  as cantorias para os Pretos e não para os Mestres. Contudo, como ressalta
  Hosana, filha-de-santo de Pai Zé de Ogum: “ele vem na linha de Preto, mas
  pode trabalhar como Mestre”. Como já assinalei, o designativo Mestre para uma
  entidade é representativo de maior conhecimento da ciência da jurema.  
Parece-me que, na reorganização simbólica do catimbó com umbanda,
  essa possuidora de uma falange específica de Pretos-velhos que atendiam
  consultas, os velhos Mestres negros catimbozeiros foram alocados na linha dos
  Pretos-velhos, passando a ser chamados assim, sem, contudo, deixar de exercer
  a maestria que possuíam se juntando aos Pretos trazidos pelo culto da
  umbanda.  
Os(as) Pretos(as)-velhos(as) são espíritos de
  negros escravos que padeceram muito durante o período da escravidão,
  associados à compreensão, bondade e humildade, trabalhando para consolar os
  aflitos, reanimar os fracos, valorizando o sofrimento humano como força
  transformadora, através da resignação e da coragem para enfrentar a dor e o
  sofrimento. Nesse QUALIT@S Revista Eletrônica.ISSN 1677-4280 V7.n.1. Ano 2008
   
sentido, praticam a caridade, rezam muito,
  apresentando-se com um rosário pendurado no pescoço. Além dessas virtudes, os
  Pretos são bastante identificados com temidos curandeiros e quimbandeiros,
  praticantes de processos de bruxarias e magias, possuidores de muita
  sabedoria oculta.  
Os
  preto-velho são pessoas velha, de cativeiro, aquelas pessoas antigas que
  foram acorrentados, né? que foram do tempo dos escravo, que naquele tempo já
  tinha já bruxaria, naquele tempo. E já trabalhavam fazendo bruxaria. Então
  são aqueles povo, aquele povo que morreu e que incorpora na gente. Gente,
  aquelas pessoas de cativeiro (Jonas, Bayeux/PB).  
A reorganização das entidades da umbanda nas atuais linhas da
  jurema, compostas de Caboclo e Índio (povo da mata), Mestre e Preto-velho,
  não se restringe somente aos Caboclos, Boiadeiros, Ciganos e Exus que foram
  reagrupados como Mestre, conforme já demonstramos. Nessa mesma direção, os
  Baianos passaram a fazer parte da linha dos Pretos-velhos, entendendo-se que
  as entidades Baianos são ex-babalaôs e ex- pais-de-santo que morrerem na
  Bahia e ‘arreiam’ (se incorporam) na linha de jurema.  
Conforme
  se pode constatar nas análises anteriores, a matriz original indígena
  manteve-se fortalecida, expressa sobretudo nas entidades espirituais da
  jurema, as quais são as mais procuradas pelos clientes e adeptos para os
  atendimentos de consultas, prerrogativa atribuída especialmente aos Mestres e
  Pretos-Velhos. No processo de reorganização sincrética entre as entidades da
  jurema, da umbanda e do candomblé, vemos o movimento em direção de
  fortalecimento da chamada linha da jurema, na medida em que as entidades do
  panteão das duas últimas religiosidades (umbanda e candomblé) foram
  resignificadas para serem agrupadas em torno da dogmática juremeira.  
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